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segunda-feira, 13 de maio de 2013

"Eu quero saber como é que vem: vem de bus ou vem de trem?"



Enlatados: assim se sentem os usários do transporte coletivo em Pelotas
É impressionante como alguns problemas de Pelotas se perpetuam, sem que ninguém faça nada para resolvê-los. No topo da lista, me arrisco a colocar o transporte coletivo.
Por ter morado ou trabalhado em praticamente todos os bairros da cidade desde 1994 (quando aportei por estas bandas) e nunca ter tido carro, não é de hoje que conheço de perto essa realidade.

Tanto como usuário, ou como repórter, sei o que é enfrentar ônibus superlotados seja no início ou no final da manhã, tarde ou noite; ver cobradores amedrontados diante de adolescentes armados anunciando assaltos; penar mais de hora (seja no sol ou na chuva) a espera de ônibus cujos motoristas deliberadamente decidem não cumprir horários e, também, já ser surpreendido por motoristas que sem prévio aviso e por conta própria alteram as rotas de seus veículos deixando dezenas de pessoas a esperar em esquinas vazias pelas quais não irão passar apesar de ser tarde da noite ou do céu estar desabando.

E o que mais me impressiona é: desde 1994 nada ou muito pouco mudou. Ou seja, em 19 anos o sistema de transporte público de Pelotas segue praticamente o mesmo. Mudaram os nomes de algumas empresas, os ônibus comunitários apareceram e desapareceram, algumas novas linhas foram criadas, mas na essência tudo continuou como estava.

Horários precários e itinerários que mudam sem explicação
são uma constante especialmente na Zona Norte
Horários e rotas praticamente não sofreram alterações significativas, mesmo diante do crescimento populacional de algumas áreas. O exemplo mais significativo é o da Zona Norte, mais especificamente, dos arredores da avenida 25 de Julho, onde desde 2009 foram instalados três grandes empreendimentos imobiliários que somados possuem 1.428 residências, mas que seguem sendo atendidos apenas por uma linha a Py Crespo. E, o mais incrível disso é que esta linha mantém a mesma grade de horários de pelo menos dez anos atrás!

Apesar de aproximadamente mais de 5 mil pessoas terem se mudado para aquela área da cidade a empresa responsável pelo transporte segue retirando seus carros de circulação a partir das 23h nos dias de semana e às 22h30 nos domingos. Ou seja, aos novos moradores da região e que dependem de ônibus restam duas alternativas: aceitar essa espécie de “prisão domiciliar com toque de recolher” ou se arriscar em caminhadas que podem superar fácil a casa dos 2,5 km até a avenida Fernando Osório, para usar outras linhas da Zona Norte.

O Sítio Floresta é outro exemplo. Apesar da população ter praticamente dobrado nos últimos dez anos, os moradores do local seguem tendo à disposição a mesma grade de horários do início do século, com ônibus de hora em hora nos domingos e cujo último horário, nos dias semana, acaba às 23h35min (saindo do centro).

Pouco ou nada mudou nas duas últimas décadas
Mas engana-se quem pensa que os problemas estão limitados à Zona Norte. No outro extremo da cidade, os bairros Navegantes e Fátima também experimentaram um grande aumento populacional na última década e seguem atendidos por uma única linha: Cohabpel Navegantes.

O mesmo se pode falar  do loteamento Dunas, vila Bom Jesus, Laranjal, Barro Duro e Z-3.

Ou seja, os problemas seguem pipocando por todos os lados da cidade, enquanto as empresas reinam absolutas diante da falta de uma licitação séria do serviço e a fiscalização desapareceu devido a falta dos Agentes de Trânsito, responsáveis por esse serviço.

Diante da situação não me surpreenderia ao ver os saudosistas de plantão defendendo a volta do bonde (puxado a burro!) como forma de solucionar o problema. E diante do que conheço, até não penso ser má ideia!

E assim Pelotas vai...(a pé, porque o ônibus tá lotado ou não veio!)

quarta-feira, 8 de maio de 2013

QUANDO FOMOS À GUERRA

Soldados da FEB seguem rumo ao Monte Castelo

Poucos lembram ou poucos sabem. Mas Pelotas deu sua contribuição à vitória aliada na II Guerra Mundial. Em dezembro de 1944, 64 jovens da região de Pelotas foram selecionados para integrar a Força Expedicionária Brasileira (FEB) que já marcava presença nos campos de batalha da Europa. 

Depois de dois meses de treinamento intensivo, 54 deles desembarcavam no porto de Nápoles (ITA) para lutar em nome da Pátria pela liberdade.

Ao final de uma campanha que durou exatos oito meses, 52 deles voltaram para casa em meio a festas e recepções estrondosas. Outros dois, porém, tombaram em combate: os canguçuenses Izidro Matoso e Hortêncio Rosa, mortos nos campos de batalha da Itália. Seus restos mortais estão enterrados no monumento aos mortos da II Guerra Mundial na cidade do Rio de Janeiro.

O pelotense Osmar Neutzling (operador de morteiros na guerra) lembrava décadas depois: "Só o que vimos na Itália, além dos combates, foi desgraça, miséria e destruição, nunca mais quero ver outra guerra"

Tropas brasileiras na base do Monte Cassino (ITA) (ninguém estava lá para brincar!)
Em 15 de abril de 1945, no último dia da tomada da cidade italiana de Montese - que homenageia os pracinhas brasileiros que a libertaram do exército alemão com uma praça batizada de Piazza Brasile - o grupo saído de Pelotas há quatro meses atrás sofre a primeira baixa: Izidro Matoso, que integrava o 6º RI é ferido em combate e morre no hospital do acampamento.

Uma semana depois, quando a FEB encurrala os alemães as margens do rio Reno, Hortêncio Rosa cai em combate, quando seu pelotão que integrava o 1º RI, avançou sobre o inimigo que estava entocado nos barrancos do rio.

No final do mês, os alemães se renderam à FEB.

Os números registrados nos documentos oficiais garantem os créditos da vitória brasileira: "(...) as forças alemãs que renderam-se para a FEB, no final de abril de 1945 consistiam de: 19.689 soldados, 892 oficiais, 2 generais, 80 canhões, 5000 viaturas e 4000 cavalos (...)".

Em 02 de setembro de 1945, os pelotenses já estão de volta e experimentam o sabor do retorno vitorioso depois de oito meses fora de casa. "O desfile da vitória na Itália, sob o som do hino Nacional e aplausos do povo italiano e a chegada em casa, foram os momentos mais emocionantes da guerra" relatou Neutling.

A primeira homenagem oficial prestada aos pracinhas em território nacional ocorreu na pequena Canguçu, onde em setembro de 1945, foi inaugurada uma galeria com fotos dos dois filhos da terra mortos na Itália. A homenagem que então partiu do já falecido fotógrafo Egídio Camargo e integrou as comemorações oficiais da Semana da Pátria daquele ano, pode ainda hoje ser visitada no Museu Municipal Capitão Henrique José Barbosa. 

segunda-feira, 6 de maio de 2013

O cinema americano do Oscar 2013


A agente Maya  (Jessica Chastain) de "A Hora Mais Escura" - responsável por encontrar Bin Laden -
em uma cena na qual a fotografia fala por sí só
Sei que pode parecer mais uma “Teoria da Conspiração” e, há grande chance disso ser verdade, mas nas últimas semanas tenho me dedicado a assistir aos principais filmes de 2012, ou seja, aqueles que estiveram na lista dos cotados para levar um Oscar em 2013 e é impossível não prestar a atenção na mensagem subliminar contida em todos eles: os EUA são “foda” e os inimigos de seus ideais (seja quem for) estão destinados a desgraça e ao inferno.

Não é de hoje que os Estados Unidos investem pesado no cinema como ferramenta de formação da opinião pública.

Nos anos 40, filmes como “O Grande Ditador”, estrelado por Charles Chaplin (1940), além de “Sargento York” (1941), “Rosa de Esperança” (1942) e “Air Force” (1944) todos vencedores ou indicados ao Oscar em alguma categoria, em seus respectivos anos, são provas de como os EUA usaram o cinema para mobilizar, emocionar ou convencer sua população sobre a importância da participar da Segunda Guerra Mundial. Isso sem falar na animação “Los Tres Caballeros” (1944), dos estúdios Disney estrelado pelo Pato Donald, Zé Carioca e Panchito (um galo mexicano), que descaradamente pregava a amizade entre os países da liga Pan-Americana, em um período que os EUA precisavam desesperadamente de aliados capazes de abastecer suas tropas que lutavam na Europa.

E em 2013, qual a surpresa? Figuram na lista dos vencedores ou indicados ao Oscar produções como Lincoln, Argo e A Hora Mais Escura (que acabei de assistir). Coincidência ou não, os dois últimos abordam diferentes momentos da luta norte-americana contra os árabes, nos quais ao final os “mocinhos” (americanos) vencem com glória e honra. Enquanto o primeiro conta a história de um ícone norte-americano, o presidente Abraham Lincoln que aboliu a escravatura e venceu a guerra civil que dividiu o país.

Mas afinal de contas, de onde advém minha teoria da conspiração?

Bin Laden: a personificação do mal pelo olhar contemporâneo do  cinema dos EUA
Simples: Em tempos nos quais a política externa e a imprensa norte-americana fazem questão de deixar às claras o aumento da tensão com os países do “Eixo do Mal”, no qual se inclui o Irã, produções premiadas destacam a vitória norte-americana sobre os rrabes. Tanto em “Argo” como em “A Hora Mais Escura” a inteligência personalizada pela CIA vencem a força bruta árabe.

No primeiro, a malícia em montar uma falsa produção cinematográfica ajuda a libertar sete diplomatas que escaparam da embaixada norte-americana invadida pelos revolucionários islâmicos. Apesar ser um bom filme de suspense capaz de prender a atenção do espectador, não faltam cenas dedicadas a mostrar os revolucionários iranianos como sádicos - que promovem enforcamentos públicos – ou fanáticos que colocam rifles automáticos nas mãos de mulheres e crianças.

Já em “A Hora Mais Escura” as torturas promovidas pela CIA em campos secretos, são justificadas com a insistência e mostrar atentados terroristas ocorridos na Europa e nos EUA durante o pós-11/09/2001.

Nem mesmo a cena que mostra a reunião de agentes com um dos diretores da CIA na qual ele dispara que: “Temos os nomes de 20 líderes. Só eliminamos 4! Eu quero alvos! Façam seu trabalho tragam-me gente para matarmos”, é capaz de tirar o foco do espectador da mensagem principal do filme: árabes são terroristas e merecem morrer.

A operação final que culmina na alardeada morte de Osama Bin Laden é realçada com cenas do assassinato de uma de suas filhas e até de uma criança, mas nem isso se sobrepõe - ao olhar do espectador - a expressão de vitória da agente da CIA diante do cadáver de Bin Laden.

Agora penso: se alguém como eu, que não teve qualquer envolvimento emocional com as merdas acontecidas em 11/09/01, torce pela vitória dos “mocinhos”, imaginem o público norte-americano?

Nada me parece mais apropriado para gerar um sentimento pró-invasão do Irã do que isso. E a partir da notícia deste final de semana de que um iraniano radicado nos EUA há mais de 30 anos pretende concorrer nas próximas eleições presidenciais, eu perderia o sono se fosse o presidente Mahmoud Ahmadinejad ou qualquer outro iraniano.

domingo, 31 de março de 2013

Relembrando 1964



Em março de 2004, tive o prazer de escrever para o Diário Popular uma série de três capítulos resgatando a história do Golpe Militar de 1964 a partir dos acontecimentos daqueles dias sombrios em Pelotas. Foram dezenas de entrevistas, com militares, jornalistas, ativistas políticos, historiadores e gente comum em busca de qualquer fragmento de lembrança que ajudasse a remontar o panorama dos dias que antecederam o Golpe e, principalmente, dos dias 31 de março e 1º de abril de 1964. 

As duas semanas de preparação da série de reportagens me possibilitaram conhecer personagens muito interessantes da cidade, hoje praticamente anônimos e desconhecidos, mas que naqueles dias viram, ouviram e fizeram parte da história brasileira. 

Hoje, aproveito o Casa da Pauta para resgatar parte daquele material, como forma de mostrar um pouco do que aconteceu na cidade naqueles dias. Devido ao volume estúpido de material não irei publicar tudo, me dou o direito de publicar apenas a última parte da série, que trata exatamente dos dias 31/3 e 1º/4 e de quebra uma entrevista com um dos personagens mais interessantes que encontrei naqueles dias: Euclides Serpa (já morto), ex-segurança particular do que o presidente Jango.

Espero que apreciem o material, pois produzi-lo foi uma experiência e tanto. 


Tanques contra a Constituição


31 de março de 1964, 3h30min. Pelotas ainda dorme. A 1.888 quilômetros das ruas calmas e silenciosas, o comandante da 4ª Região Militar, general Olímpio Mourão Filho ordena que dentro de duas horas e meia os três mil homens do Destacamento Tiradentes partam dali de Juiz de Fora (MG) em direção ao Rio de Janeiro. Pontualmente às 6h começa a operação militar que nas próximas 48 horas irá depor o Presidente João Goulart e mudar a história do Brasil.

O 31 de março amanhece frio e seco em Pelotas e no início da manhã os termômetros marcam 5,9ºC. É o dia mais frio do mês. O céu, contudo, está limpo e o sol aparece logo cedo. A edição do Diário Popular traz na manchete os reflexos da crise da Marinha: "Governo anula anistia dos marujos e fará investigação sobre incidentes".

Enquanto a terça-feira começa tranqüila no sul do Estado, em Minas Gerais as tropas do general Mourão dão início a Operação Silêncio (controle dos veículos e serviços de comunicação), a primeira das três etapas do plano para derrubar o Presidente da República. As outras duas são: a Gaiola (prisão dos principais líderes políticos e sindicais que pudessem provocar uma reação dentro de Minas Gerais) e a Popeye (deslocamento de tropas em direção ao Rio de Janeiro e Brasília).

REBELIÃO

Mourão Filho (de capacete) saiu "antes da hora"
Até a primeira hora da tarde a rotina de Pelotas permanece inalterada, mas conforme o Destacamento Tiradentes se aproxima da divisa de Minas Gerais com o Rio de Janeiro a tensão aumenta e surgem os primeiros indícios de que alguma coisa está fora do normal.

Antes do final da tarde as ruas da cidade estão tomadas por soldados do 9º Regimento de Infantaria (RI). "Ía chegando no jornal - perto das 18h - quando vi soldados em grupos, correndo de um lado para o outro e em seguida veio a recomendação para que todos fossem para casa porque poderia ocorrer alguma coisa desagradável. Pensei: 'Desagradável como? O dia está tão bonito'", lembra o jornalista Joaquim Salvador Pinho, de 68 anos, então secretário de redação do turno da noite no Diário Popular.

Pouco antes, às 17h, soldados mineiros haviam dominado a ponte do rio Paraibuna - na divisa de Minas com o Rio -, a partir disso o general Mourão Filho divulga a proclamação contra o Governo e anuncia que o Exército está rebelado.

O golpe pelas ondas do rádio

Castelo Branco aclamado presidente pelos generais
A noite de 31 de março caiu pesada e silenciosa sobre Pelotas. O toque de recolher esvaziou as ruas, fechou bares e restaurantes e faz a tensão dos dias anteriores ser substituída pelo medo e incerteza. Por trás das janelas fechadas por causa do frio, o ruído dos rádios denuncia a busca por informações.

"Eu tinha uma radiola RCA e foi através dela que fiquei sabendo da derrubada do presidente Jango", lembra o aposentado, Sued Macedo, de 70 anos. A notícia espalha preocupação no bairro Simões Lopes, então um reduto de operários e sindicalistas e deixa a noite mais longa.

Do outro lado da cidade, na avenida República do Líbano, o protético Ercide Bezerra dos Santos, de 67 anos, também não sai de perto do rádio. Simpatizante das Reformas de Base acompanha com ansiedade as notícias. "Não esperava que a coisa fosse tão rápida, achava que poderia acontecer a mesma coisa que em 61", conta. Quando o sono chega, a madrugada de 1º de abril já está próxima e em São Paulo o governador Ademar de Barros anuncia que está ao lado dos rebeldes. Logo depois o comandante do 2º Exército, general Amauri Kruel divulga nota oficial de adesão ao movimento.

O presidente João Goulart, que está no Rio de Janeiro, prepara sua volta a Brasília, sem saber que vive suas últimas 48 horas no país que governou por dois anos.


Plantão na Câmara

Tão logo a notícia do início do movimento para a deposição do presidente João Goulart chega em Pelotas, a Câmara de Vereadores decretou aberta uma sessão permanente. Em pouco tempo todos os 19 vereadores, assessores e funcionários do Legislativo montam prontidão no prédio da Biblioteca Pública Pelotense (BPP) onde, então, funciona a Câmara.

No segundo dia da vígila soldados do Exército vão até o prédio com a ordem de levar preso o vereador Edgar Curvello da Ação Revolucionária Socialista (ARS). "Houve tensão na Casa e preocupação entre os que estavam lá, mas depois de algum tempo o próprio Curvello se entregou de livre e espontânea vontade", lembra o então diretor da Câmara, Airton dos Santos.

A vígilia dos vereadores dura até o final daquela semana e nesse período ainda serão presos Vicente Real (ARS) e Getúlio Dias (PTB), que se apresentou ao Exército dias depois.

O jornal do dia seguinte

Enquanto os militares marcham em direção a Brasília, na redação do Diário Popular repórteres e redatores se lançam numa busca frenética por informações. Os vários rádios sintonizados em diferentes emissoras concedem um clima de confusão completa na pequena e abafada sala.

"Tentávamos de todos os modos captar alguma coisa a mais do que recebíamos e a cada nova informação juntávamos as peças como num quebra-cabeças para conseguir montar as notícias", lembra o jornalista Joaquim Salvador Pinho. O trabalho entra a madrugada até a edição possa ser dada como "fechada".

No dia seguinte o Jornal estampa a manchete: "Minas rebela-se contra Jango".



O dia 1º


O dia 1º de abril começa claro, frio e confuso em Pelotas. A notícia de que o Governo está sendo deposto é pública, mas ainda não se conhece seu desfecho. Da esquina do Café Aquário aos diferentes cantões da cidade o clima é de tensão e certa agitação.

Partidários do Presidente tentam esboçar alguma reação, mas são vencidos pela desorganização e pela presença das tropas nas ruas. No Simões Lopes, onde há mais de um ano haviam sido montados os chamados "Grupos de 11" - milícias formadas por 11 homens cada e que deveriam montar a resistência a tentativas de derrubada do Governo - a tentativa de invasão do quartel do 9º Regimento de Infantaria (RI) é abortada antes de começar. "Tínhamos ordens de procurar pelos chefes que nos levariam até determinado local onde reberíamos as armas para a luta, mas naquela manhã esperamos até cansar e nem os chefes, nem as armas apareceram", conta Sued Macedo.

Enquanto Macedo e seus companheiros esperam as armas que não chegarão, o então estudante de Agronomia, Manoel Luis Coelho corre junto com colegas do movimento estudantil para dar um destino na biblioteca (basicamente de literatura política) da representação da União Nacional dos Estudantes (UNE) na cidade. "Espalhamos os livros por várias casas na cidade, pois temíamos o que poderia acontecer se fossem encontrados".

No Centro, a movimentação também era grande. "Naquela manhã fui tomar um café no Café Aquário e não dava para parar porque a turma a favor do golpe comemorava ali", lembra Ercide Bezerra dos Santos. No início da tarde, dois manifestantes contrários simpáticos ao governo Jango tomam de assalto o estúdio da rádio Tupanci e fazem um manifesto contra o movimento militar. Com a chegada de soldados do Exército a dupla foge. Alguns piquetes percorrem os canteiros de obras na tentativa de sublevar os operários, mas também acabam intimidados com a presença dos soldados.

EM BRASÍLIA

Quase no mesmo horário, o presidente João Goulart voava em direção a Porto Alegre. Poucas horas depois o general rebelde Souza Aguiar recebia o comando do Exército em Brasília no lugar do então comandante do Distrito Federal, general Nicolau Fico.

Quando a noite cai sobre Pelotas, o presidente Jango ainda está em Porto Alegre. Mesmo assim, em Brasília, o presidente da Câmara dos Deputados, Pascoal Ranieri Mazzilli assume a Presidência da República, uma vez que o cargo havia sido declaro vago. No dia seguinte, Jango parte para exílio do qual só voltará em 1976 para ser sepultado em São Borja.


ENTREVISTA - EUCLIDES SERPA -O HOMEM DO PRESIDENTE


Em 1964, o empresário Euclides Serpa, hoje com 60 anos, era segurança pessoal do presidente da República, João Goulart. Naquele ano o filho de comerciantes de São Lourenço do Sul viu estourar ao seu lado a maior crise política brasileira do século 20. Durante 14 anos viveu exilado e, neste período, pode conhecer detalhes a vida da principal personagem dos acontecimentos daquele ano: Jango.



Diário Popular - Como o senhor foi trabalhar na segurança do Presidente Jango?
Euclides Serpa - Quando o doutor João Goulart assumiu o pessoal que iria atendê-lo foi escolhido a dedo entre o círculo de amigos íntimos dele. Meu pai (Euclides Serpa, o Duducha) era muito amigo dele e do Getúlio Vargas. Era o proprietário do Café Avenida, que ficava ao lado do Colégio Militar, em Porto Alegre, onde todos estudaram. Então acabei indo trabalhar com ele. Ao todo éramos cinco.

DP - O que o senhor lembra sobre a deposição do presidente?
ES - Eu estava no Rio de Janeiro - com o doutor Lino Brauner, presidente da Caixa Econômica Federal - quando os 'milicos' deram o golpe. Dali fui direto para Porto Alegre onde encontrei o Presidente no aeroporto. Me lembro que o Brizola gritava: "“me nomeie ministro da Justiça e o General Landell ministro da guerra que nós vamos resistir". Mas ele não tinha força, nem gente para resistir. Então partimos direto para São Borja e depois para a fazenda Sinamomo, em Itaqui na divisa com o Uruguai e, dali, fomos embora do Brasil.

DP - Como estava o ânimo do ex-Presidente durante a fuga?
ES - Ele estava muito calmo. Mas depois sofreu muito. No Uruguai ele sofria por estar fora do país dele, longe das fazendas dele, isso sem falar no que fizeram com ele dizendo que era comunista. Imagina! Um latifundiário como ele, comunista.  Por isso não simpatizava com ninguém que era militar na época.

DP - Como era Jango no dia-a-dia do exílio?
ES - Era um pai para nós, o cara mais bom do mundo, nos ensinou a cuidar do gado, a ganhar dinheiro sempre com qualquer tipo de negócio. Era um grande administrador. Nunca nos tratou de peão. Ele dizia: "O Serpa é meu colaborador", quamndo apresentava para as pessoas e completava: "ele deixou a família dele no Brasil para me acompanhar". Era o único cara que pedia cem levava 200, pedia 200 levava 400. Volta e meia ele mesmo fazia comida para a gente e não só na fazenda, mas na casa que ele morava também. Lá fora, aparecia na porta e dizia "mata aquela galinha que hoje eu vou cozinhar para a gente". Deopis tirava o sapato e cozinhava só de carpim, na cozinha. E cozinhava bem.

DP - Jango acreditava que voltaria ao Brasil?
ES - Uma vez a gente estava em Passo de Los Libres e perguntei para ele: "Doutor qual é o dia que nós vamos passar por esta ponte". Ele me respondeu: "Nós vamos passar, muito antes do que pensamos, mas seremos os últimos". Ele não tolerava que alguém estivesse exilado por causa dele. Ele acreditava que voltaria ao Brasil e seria candidato com o JK de vice. Já tava tudo acertado. Tavam tratando da volta dele.

DP - E a morte do ex-presidente como foi?
EU - Ele morreu em 1976, na Fazenda La Villa Mercedes, em Mercedes, na Argentina. Eu estava em Buenos Aires e na terça-feira íamos no encontrar, pois partiríamos para o Paraguai, porque os 'milicos' tinham tomado a Argentina e ele não ficaria mais lá. Passei o final de semana em Buenos Aires e na segunda-feira, bem cedo, fui até o sítio Quinta da Protetora me despedir do pessoal, porque não sabia quando voltaria a vê-los. Quando eu cheguei lá tinha um senhor alto ouvindo um rádio que ao me ver na porteira gritou: "Don Serpa! Don Serpa! Perdemos o patrão!". Eu não entendi na hora, depois me dei conta, estava dando a notícia da morte dele. Nem sei o que eu senti, devo ter chorado um mês. Foi muito triste. 

quinta-feira, 14 de março de 2013

Inevitável falar do Papa

Francisco I com a flâmula do San Lorenzo, um dos mais tradicionais times da Argentina

Abandonado, largado às traças. Assim está o Casa da Pauta. Um blog criado para distrair e dar vazão para algumas coisas que não tinham outro destino sem ser os caminhos perdidos de uma mente atolada de elucubrações. Pois bem, hoje resolvi retomar o blog e a motivação disso é a notícia mais comentada nas últimas 24 horas. Se você apostou na escolha do Papa Francisco, acertou.

Não gosto de escrever sobre política ou religião, pois acredito serem dois assuntos extremamente particulares cuja discussão dificilmente leva para algum lugar, ao contrário do futebol que apesar das paixões sempre vale a pena ser discutido.

Mas vamos ao tema em questão: 115 cardeais escolheram como Papa um argentino, preocupado com o aumento da pobreza, de hábitos simples, filho de italianos, com ar de bonachão e sorriso aberto.

Meia hora depois começou a circular pelas redes sociais o outro lado história: o cardeal Bergoglio colaborou com a sanguinária ditadura argentina, posou sorridente ao lado do general Videla e teria – até mesmo – acobertado e auxiliado no tráfico de bebês retirados de mães subversivas (uma prática abominável e comum na Argentina dos generais).  

O que há de verdade nisso? Aposto que ninguém saberá. Pois se de um lado as vítimas da ditadura inimigas da Igreja se esforçarão para denegrir a imagem do novo Papa, por outro lado a Santa Madre Igreja não medirá esforços em sentido contrário.

Em meio a essa batalha de informações que promete tomar conta das redes sociais nos próximos meses, de uma coisa tenho certeza: o Papa Francisco ou Francisco I como chamam alguns veículos de imprensa terá em suas mãos um poder que Joseph Ratzinger não teve: o de resgatar a fé dos católicos, especialmente na América Latina e na África onde as igrejas evangélicas neo-pentecostais têm arrebanhado milhões de ovelhas a cada ano.

E isso está num singelo detalhe: Francisco I parece ser um cara comum. Sorri com facilidade, gosta de futebol e até que se prove o contrário, parece ser gente boa. E isso é o mais do que se pode esperar de um Papa, geralmente uma figura distante do povo, emoldurada pelo ouro acumulado em séculos de exploração promovida pela Santa Sé em todos os continentes.

Apesar de não ser católico praticante e saber que a Igreja não tem nem 10% do poder que teve um dia, sinceramente, torço para que Francisco I consiga ao menos abrir os olhos de milhões de pessoas para o fato de que “o ser vale mais do que o ter”. E, lembrando de meu ex-professor Jovino Pizzi, consiga mudar a visão de um mundo que transformou bancos em catedrais e no qual a felicidade está proporcionalmente atrelada ao saldo da conta bancária. Afinal de contas, há muito mais nessa vida do que dinheiro. 

Nisso eu creio.