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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Nasce uma república em pleno pampa



Na tela de Antonio Parreiras (1915), Neto aparece a cavalo, mas a proclamação foi feita de pé
no meio da tropa acampada nos campos de Selval, hoje, um distrito de Candiota


Uma baioneta, um cano de pistola e um espadim fazem parte do acervo particular que o pecuarista Heitor Ferreira, 47 anos, juntou ao escavocar os campos do interior do município de Candiota, na região da Campanha. O homem que hoje investe na criação do Núcleo de Pesquisa Histórica do Seival é também o principal detentor da memória do lugar, onde em 11 de setembro de 1836 nasceu um país: a República Rio-grandense.

Morador da vila que em 1936 incorporou o nome dado aos campos vizinhos pelo desbravadores espanhóis, que no século 16 encontraram por ali muitos pés de seibo - daí a expressão seibal, aportuguesada para seival - Ferreira é uma espécie de referência local quando o assunto é o enfrentamento das tropas de Antônio de Souza Neto e João da Silva Tavares, em 10 de setembro de 1836. Há anos, o pesquisador busca o local exato da peleia onde tombaram 26 farrapos e 167 imperiais e que precedeu a proclamação da independência do Rio Grande do Sul do resto do Brasil.

Encontrar o lugar significa descobrir os restos mortais de 185 combatentes daquele dia que foram sepultados no campo de combate. Grande parte deles eram filhos da casta mais alta da sociedade do município de Herval, que lutava ao lado de Silva Tavares. “Quarenta e três anos depois, na degola do rio Negro, comandada por Joca Tavares (filho de Silva Tavares) há um ajuste de contas deste combate, quando a maior parte dos degolados descendia diretamente dos vitoriosos em Seival”, defende o historiador Cláudio Moreira Bento.

Sorte Farrapa

Na manhã de 10 de setembro de 1836, Neto estava à frente de uma força de 430 homens quando encontrou-se com os 500 imperiais liderados por Silva Tavares em meio as coxilhas do Seival, próximo as margens do rio Jaguarão, nos campos que hoje ficam na margem direita da BR 293 no sentido Bagé-Pelotas.

Às 9h, as carabinas fizeram estremecer céu e terra em uma salva de tiros. Logo em seguida aos gritos Neto avisou: “Camaradas! Não quero ouvir um tiro mais. À carga, a espada, e lança!”. Em seguida a cavalhada farroupilha atirou-se ao galope em direção a cavalaria imperial que já corria pelo campo. O encontro das tropas deu origem a um carrossel de homens e cavalos, que girava ao som do choque de metal e dos gritos lancinantes dos feridos.

Em meio ao balé mortal, a sorte sorriu aos farrapos. “Tavares estava em vantagem e teria vencido, não fosse uma lança ter cortado os arreios de seu cavalo, que partiu em disparada fazendo seus homens pensarem que batia em retirada e se desorganizassem”, conta Ferreira. Quando Tavares retornou e a tropa se reorganizou, era tarde demais e não havia outra alternativa ao oficial do Império a não ser se retirar do combate. O dia, definitivamente era farroupilha.

“Independência, República, liberdade ou morte”

A retumbante vitória farroupilha serviu de pano de fundo para o evento que mudaria não apenas os rumos da revolução, mas também do jovem Império do Brasil: a proclamação da República Rio-grandense.

Antes da alvorada de 11 de setembro de 1836, depois de uma noite insone Neto postou-se no centro do quadrado formado por sua tropa para escutar a leitura da ordem de serviço escrita durante a longa noite anterior em conjunto com Joaquim Pedro Soares e Manuel Lucas de Oliveira, emissários de Domingos José de Almeida chegados a Seival pouco depois de encerrado combate.

O texto lido por Joaquim Pedro naquela madrugada, às margens do rio Jaguarão, fazia duras críticas ao governo imperial e declarava independente do Brasil a província do Rio Grande do Sul. “Em todos os ângulos da Província não soa outro eco que o de independência, república, liberdade ou morte!”, leu Joaquim Pedro na carta assinada por Neto. Terminada a leitura, a tropa irrompeu em sonoros vivas a recém-nascida república Rio-grandense.

Para os historiadores contemporâneos os ecos daquela histórica leitura perduraram além da derrocada da República Rio-grandense e foram sentidos por toda a nação 53 anos depois. “A república brasileira nasceu no Seival, não há dúvida disso, existem evidências concretas de que o marechal Deodoro da Fonseca sofreu influência direta dos ideais farroupilhas”, defende Cláudio Moreira Bento.

Seival é a salvação de Seival 

O resgate da história do combate do Seival e a localização correta dos eventos que ali ocorreram naquele final de inverno de 1836, são vistos com a principal e, talvez, única tábua de salvação do povoado que teve o nome eternizado nos livros sobre a história da Revolução Farroupilha.

Depois de experimentar um período de grande opulência e desenvolvimento a vila do Seival é hoje um lugarejo pobre e decadente, formado por ruínas de um tempo que hoje faz parte apenas da memória dos moradores mais antigos.

Fundado em 1844 então como o nome de Santa Rosa, a povoação estava no caminho da estrada de ferro, possuía uma filial do Banco Pelotense e era um próspero entreposto comercial e de produção de charque. A quebra do Banco Pelotense e a desativação da linha férrea na segunda metade do século 20 fizeram a localidade mergulhar no ostracismo.

Hoje, o turismo cultural baseado na exploração dos acontecimentos de 1836 surge como a principal esperança para fazer renascer a economia local. Mas para tornar isso possível é preciso, primeiro, encontrar os lugares corretos onde tudo se deu.

Atualmente, os dois monumentos instalados na década de 1980 com o objetivo de lembrar os episódios da Revolução Farroupilha estão muito distantes dos locais onde os fatos a que se referem aconteceram.

Por praticidade foram colocados às margens da rodovia que liga Bagé a Pelotas. O monumento que celebra a proclamação da República Rio-grandense, por exemplo, está aproximadamente oito quilômetros distante de onde Neto e suas tropas acamparam. Já o Arco do Triunfo - no local exato onde Joaquim Pedro fez a leitura histórica - erguido pela prefeitura de Bagé para marcar o centenário da proclamação desapareceu.

“Encontrar os sítios exatos possibilitará tanto a exploração arqueológica e histórica como a turística”, defende Heitor Ferreira, que revela estar perto de encontrar algumas respostas capazes de resgatar o passado e mudar o futuro do Seival.

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