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HISTÓRIAS & HISTÓRIA

Ao longo de 12 anos de jornalismo diário sempre me interessei por resgatar um pouco do passado tanto de Pelotas, como do Rio Grande do Sul e do próprio Brasil. Assim, sempre que surgia a oportunidade tentava emplacar alguma reportagem ou série sobre fatos históricos relevantes ou pitorescos que nos dias atuais me pareciam esquecidos ou até desconhecidos pela maior parte das pessoas.

Nesta página irei começar a publicar parte do acervo de textos produzidos no período entre 2000 e 2008, muitos dos quais publicados pelo Diário Popular ou pelo Correio do Povo e alguns outros que não chegaram a ser publicados. Como sempre foi, o principal objetivo disso é manter vivas histórias esquecidas por muitos, mas que ajudam a entender um pouco como chegamos até aqui. Espero que aproveitem.

Boa leitura!

Para começar essa coletânea de histórias nada melhor do que o nascimento da nação que até hoje embala sonhos e o orgulho dos gaúchos: a República Rio-grandense.

(Matéria publicada originalmente em setembro de 2005 no caderno especial da Revolução Farroupilha do jornal Diário Popular, de Pelotas/RS)



Nasce uma república em pleno pampa

Na tela de Antonio Parreiras (1915), Neto aparece a cavalo, mas a proclamação foi feita de pé
no meio da tropa acampada nos campos de Selval, hoje, um distrito de Candiota


Uma baioneta, um cano de pistola e um espadim fazem parte do acervo particular que o pecuarista Heitor Ferreira, 47 anos, juntou ao escavocar os campos do interior do município de Candiota, na região da Campanha. O homem que hoje investe na criação do Núcleo de Pesquisa Histórica do Seival é também o principal detentor da memória do lugar, onde em 11 de setembro de 1836 nasceu um país: a República Rio-grandense.

Morador da vila que em 1936 incorporou o nome dado aos campos vizinhos pelo desbravadores espanhóis, que no século 16 encontraram por ali muitos pés de seibo - daí a expressão seibal, aportuguesada para seival - Ferreira é uma espécie de referência local quando o assunto é o enfrentamento das tropas de Antônio de Souza Neto e João da Silva Tavares, em 10 de setembro de 1836. Há anos, o pesquisador busca o local exato da peleia onde tombaram 26 farrapos e 167 imperiais e que precedeu a proclamação da independência do Rio Grande do Sul do resto do Brasil.

Encontrar o lugar significa descobrir os restos mortais de 185 combatentes daquele dia que foram sepultados no campo de combate. Grande parte deles eram filhos da casta mais alta da sociedade do município de Herval, que lutava ao lado de Silva Tavares. “Quarenta e três anos depois, na degola do rio Negro, comandada por Joca Tavares (filho de Silva Tavares) há um ajuste de contas deste combate, quando a maior parte dos degolados descendia diretamente dos vitoriosos em Seival”, defende o historiador Cláudio Moreira Bento.

Sorte Farrapa

Na manhã de 10 de setembro de 1836, Neto estava à frente de uma força de 430 homens quando encontrou-se com os 500 imperiais liderados por Silva Tavares em meio as coxilhas do Seival, próximo as margens do rio Jaguarão, nos campos que hoje ficam na margem direita da BR 293 no sentido Bagé-Pelotas.

Às 9h, as carabinas fizeram estremecer céu e terra em uma salva de tiros. Logo em seguida aos gritos Neto avisou: “Camaradas! Não quero ouvir um tiro mais. À carga, a espada, e lança!”. Em seguida a cavalhada farroupilha atirou-se ao galope em direção a cavalaria imperial que já corria pelo campo. O encontro das tropas deu origem a um carrossel de homens e cavalos, que girava ao som do choque de metal e dos gritos lancinantes dos feridos.

Em meio ao balé mortal, a sorte sorriu aos farrapos. “Tavares estava em vantagem e teria vencido, não fosse uma lança ter cortado os arreios de seu cavalo, que partiu em disparada fazendo seus homens pensarem que batia em retirada e se desorganizassem”, conta Ferreira. Quando Tavares retornou e a tropa se reorganizou, era tarde demais e não havia outra alternativa ao oficial do Império a não ser se retirar do combate. O dia, definitivamente era farroupilha.

“Independência, República, liberdade ou morte”

A retumbante vitória farroupilha serviu de pano de fundo para o evento que mudaria não apenas os rumos da revolução, mas também do jovem Império do Brasil: a proclamação da República Rio-grandense.

Antes da alvorada de 11 de setembro de 1836, depois de uma noite insone Neto postou-se no centro do quadrado formado por sua tropa para escutar a leitura da ordem de serviço escrita durante a longa noite anterior em conjunto com Joaquim Pedro Soares e Manuel Lucas de Oliveira, emissários de Domingos José de Almeida chegados a Seival pouco depois de encerrado combate.

O texto lido por Joaquim Pedro naquela madrugada, às margens do rio Jaguarão, fazia duras críticas ao governo imperial e declarava independente do Brasil a província do Rio Grande do Sul. “Em todos os ângulos da Província não soa outro eco que o de independência, república, liberdade ou morte!”, leu Joaquim Pedro na carta assinada por Neto. Terminada a leitura, a tropa irrompeu em sonoros vivas a recém-nascida república Rio-grandense.

Para os historiadores contemporâneos os ecos daquela histórica leitura perduraram além da derrocada da República Rio-grandense e foram sentidos por toda a nação 53 anos depois. “A república brasileira nasceu no Seival, não há dúvida disso, existem evidências concretas de que o marechal Deodoro da Fonseca sofreu influência direta dos ideais farroupilhas”, defende Cláudio Moreira Bento.

Seival é a salvação de Seival 

O resgate da história do combate do Seival e a localização correta dos eventos que ali ocorreram naquele final de inverno de 1836, são vistos com a principal e, talvez, única tábua de salvação do povoado que teve o nome eternizado nos livros sobre a história da Revolução Farroupilha.

Depois de experimentar um período de grande opulência e desenvolvimento a vila do Seival é hoje um lugarejo pobre e decadente, formado por ruínas de um tempo que hoje faz parte apenas da memória dos moradores mais antigos.

Fundado em 1844 então como o nome de Santa Rosa, a povoação estava no caminho da estrada de ferro, possuía uma filial do Banco Pelotense e era um próspero entreposto comercial e de produção de charque. A quebra do Banco Pelotense e a desativação da linha férrea na segunda metade do século 20 fizeram a localidade mergulhar no ostracismo.

Hoje, o turismo cultural baseado na exploração dos acontecimentos de 1836 surge como a principal esperança para fazer renascer a economia local. Mas para tornar isso possível é preciso, primeiro, encontrar os lugares corretos onde tudo se deu.

Atualmente, os dois monumentos instalados na década de 1980 com o objetivo de lembrar os episódios da Revolução Farroupilha estão muito distantes dos locais onde os fatos a que se referem aconteceram.

Por praticidade foram colocados às margens da rodovia que liga Bagé a Pelotas. O monumento que celebra a proclamação da República Rio-grandense, por exemplo, está aproximadamente oito quilômetros distante de onde Neto e suas tropas acamparam. Já o Arco do Triunfo - no local exato onde Joaquim Pedro fez a leitura histórica - erguido pela prefeitura de Bagé para marcar o centenário da proclamação desapareceu.

“Encontrar os sítios exatos possibilitará tanto a exploração arqueológica e histórica como a turística”, defende Heitor Ferreira, que revela estar perto de encontrar algumas respostas capazes de resgatar o passado e mudar o futuro do Seival.

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Em 2004, os 40 anos do Golpe Militar contra o presidente João Goulart renderam uma série de reportagens, reproduzida parcialmente a partir daqui. 

(Matérias publicadas originalmente em março de 2004 pelo Diário Popular na forma de uma série de três capítulos)


1964: o ano que durou 20

Golpe de março de 1964 levou o Exército ao poder.
Em 68, quando da promulgação do AI-5 militares postaram-se diante do Congresso

PARTE I




Há 40 anos as tropas do general Olímpio Mourão Filho partiam de Juiz de Fora, Minas Gerais, para derrubar o Presidente da República, João Goulart, dando início a um dos períodos mais conturbados da história brasileira. De um lado estavam os herdeiros do projeto nacionalista e populista de Getúlio Vargas, enquanto à frente dos tanques marchavam os defensores do binômio "segurança e desenvolvimento" forjado na salas da Escola Superior de Guerra (ESG) e respaldado pela sociedade civil conservadora do País. Do embate entre essas duas ideologias sobreveio um novo regime, que comandou os destinos da nação por duas décadas.

Foi sob um calor abrasador que Pelotas entrou o ano de 1964. Enquanto a seca rareava a água das torneiras e queimava as lavouras, nas ruas - que começavam a ser asfaltadas – o clima também era quente, mas devido à política.

Presidente Jango 
O governo do presidente João Goulart, o Jango, dividia opiniões. E à medida que as reformas de base pareciam prontas para sair do papel, as discussões no Café Aquário tornavam-se mais inflamadas e os embates verbais da Câmara de Vereadores mais ríspidos.
Em sua terceira edição daquele ano, o Diário Popular encerrava seu editorial – no qual comentava o pronunciamento de final de ano do Presidente da República - com uma observação que traduzia, com exatidão, o sentimento reinante: “1964 desponta debaixo de perspectivas inquietadoras”.


COTIDIANO


Enquanto as "perspectivas inquietadoras" não ganhavam formas concretas, a vida continuava. E nesse ínterim a Temporada Mundial de Luta Livre - que lotaria o Ginásio do Colégio Municipal Pelotense ainda naquele janeiro - atraía a atenção do público. Não era para menos, afinal no ringue estariam lutadores como Jangada "O estrangulador do nordeste", Grande Caruso "O sanguinário italiano" e Coelho "O colosso de Aveiro".
Lambreta: sonho de consumo
de 9 entre 10 jovens em  64

Nas rodas menos afeitas à violência gratuita, um dos assuntos preferidos era a carreira da soprano pelotense Therezinha Röhrig, que conquistava as platéias da Europa depois de vencer 37 concorrentes de 15 países no badalado concurso Francisco Viñas, realizado na Espanha.

Entre os jovens da época - mesmo aqueles engajados na efervescente política estudantil comprometida, em sua maioria, com a defesa das reformas de base, principalmente, a da educação -  o sonho de consumo era a Lambreta ("Um verdadeiro carro de duas rodas") que podia ser comprada nas lojas Mesbla por prestações mensais de CR$ 1.840,00, o equivalente a cem entradas de cinema, que custavam CR$ 180,00, em qualquer uma das dez salas da cidade.

TENSÃO NO PAÍS

Marcha  com Deus e pela Família, 1964
Durante as noites - quando apenas os apitos dos guardas-noturnos quebravam o silêncio das ruas - os rádios Phillips comprados nas lojas Mazza ou na Mesbla, traziam notícias sobre o aumento da tensão em todo o país.

O medo de que Jango desferisse um golpe contra as instituições era grande entre os conservadores e aumentava à medida que a imprensa acusava o presidente de estar pendendo para o lado do bloco socialista encabeçado pela União Soviética.

Brasão da ESG
Para o historiador José Plínio Fachel, professor de História Contemporânea da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) as raízes dessa tensão residem na ideologia de Segurança Nacional, elaborada pela Escola de Guerra dos Estados Unidos (EUA), que depois da 2ª Guerra passam a treinar oficiais latino-americanos, sob alegação de criar uma política de segurança continental do Pan-americanismo. "O conceito difundido era da criação de projetos de governos com perspectivas capitalistas e orientadas para o projeto norte-americano e isso vai sendo consolidado entre os militares brasileiros", comenta. Esta ideologia acaba por encontrar campo fértil entre os teóricos da ESG, também conhecida como a Sorbonne brasileira.

Ao mesmo tempo o temor do ateísmo e da política de estatização pregada pelos regimes socialistas-soviéticos rondava a classe média brasileira. Isso servia de ingrediente para manifestações civis anti-Jango e como mecanismo de pressão sobre outras instituições da sociedade civil, entre as quais a Igreja Católica. "A Igreja Católica vai, então, se colocar contra este processo confundindo as propostas do governo com a chegada do comunismo", analisa Fachel.

A partir de '63, quando João Goulart começa a aprofundar seu projeto nacional-populista (cujas raízes remontam a Era Vargas), que tem nas reformas de base (agrária, urbana, constitucional, econômica e da educação) a tensão entre reformistas e conservadores aumentará até explodir no movimento liderado pelas tropas de Mourão Filho.

Pelotas na rota ministerial

JK defendeu reformas durante sua
passagem por Pelotas em 1964
O aumento da tensões políticas força o governo Goulart a buscar uma aproximação maior com as instituições, estados e municípios. Em um lugar de destaque no cenário político gaúcho, Pelotas, se torna nos primeiros meses de 1964 parada obrigatória para ministros de Estado e defensores das reformas de base. Entre janeiro e março daquele ano passam pela cidade o ex-presidente Juscelino Kubitschek e três ministros: Ney Galvão, da Fazenda; Oswald de Lima Filho, da Agricultura, e Júlio Sambaqui, da Educação - todos ligados a áreas que seriam profundamente afetadas pelas reformas propostas por Jango.

Convidado como paraninfo da turma de formandos de contabilistas da Escola de Comércio Irmão Fernando (pertencente ao Colégio Gonzaga), JK desembarca em Pelotas no dia 6 de fevereiro.

Em seu discurso de 40 minutos na solenidade, o ex-presidente é enfático na defesa das reformas, principalmente a agrária, como forma de valorização da agricultura e de fortalecer o homem do campo. Ao dizer que "já está formada a consciência nacional para as reformas", Juscelino convoca a comunidade a defender as idéias de Jango. Como ocorre com todos os assuntos ligados ao Governo Federal, o discurso de JK divide opiniões e gera muita polêmica.

MINISTROS

Em 27 de fevereiro, uma semana após o Bloco Carnavalesco Papagaio vencer o concurso do Carnaval de 1964, chega a Pelotas o ministro Ney Galvão, que passa pela cidade com um discurso no qual pede paciência e apoio da comunidade às reformas. Uma semana depois, em 6 de março, é a vez de Oswald Lima Filho, ministro da Agricultura descer no aeroporto. Ele prega a importância das reformas agrária e constitucional.

Sete dias depois, quando a cidade ainda digere os discursos ministeriais, o presidente João Goulart coloca parte do País em polvorosa ao anunciar diante de milhares de pessoas no comício da Central do Brasil, uma série de medidas que reforçariam e acelerariam as reformas de base.

É sob as marcas do 13 de março que o ministro da Educação, Júlio Sambaqui, chega a Pelotas dezoito dias antes da deposição do presidente Jango. Depois de enfrentar uma manifestação estudantil que pede a construção de um restaurante universitário, Sambaqui assina com o prefeito Edmar Fetter a liberação de CR$ 40 milhões para custear 300 bolsas escolares, além de CR$ 5 milhões para compra de material escolar e CR$ 15 milhões para equipar escolas.

No mesmo dia que o avião do ministro decola de Pelotas, 46 paraquedistas da Força Aérea Brasileira (FAB) desembarcam na cidade para participar de um treinamento de saltos como prenúncio da tempestade que pairava sobre o Brasil.







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