Abro o jornal na manhã de
sábado (20/11) e leio matéria sobre a falta de médico no posto público da Vila
Princesa, zona norte de Pelotas. Ao longo da matéria a secretária municipal de
Saúde admite a alta rotatividade de médicos na rede municipal e atribui isso ao
fato deles (os médicos) terem “múltiplos vínculos”. A minha interpretação para
isso é: trabalham em tantos lugares que o salário de R$ 4 mil pago pela
prefeitura se torna desinteressante.
Talvez tenha existido um
tempo ou lugar no qual os médicos fossem profissionais humanitários,
solidários, capazes de dedicar suas vidas aos outros e preocupados com a vida
das pessoas, mas desconheço e, duvido disso.
Minha experiência de vida e
profissional - nas últimas duas décadas pelo menos - me faz ver médicos como: homens
e mulheres interessados em ganhar muito dinheiro e, nada mais.
A medicina é hoje uma excelente
carreira, que paga altos salários e desde os primeiros semestres de faculdade é
o cifrão que brilha diante dos olhos da calourada. Isso sem falar no fato de
que a esmagadora maioria dos estudantes de Medicina das universidades federais
vem das classes A e B, ou seja, não é curso de pobre e essa turma não quer
perder status depois de formada, muito pelo contrário.
(De onde tirei essa ideia?):
Em 1999, por exemplo, a Universidade Federal de Minas Gerais fez um censo de seus
alunos de Medicina e descobriu que 61% eram provenientes de famílias com renda
mensal superior a 20 salários mínimos. Em 2004, pesquisa feita na Universidade
Federal do Acre mostrou que 96,5% das vagas do curso de Medicina eram ocupadas
por filhos das classes A e B. Em 2007, a Universidade Federal do Espírito Santo
fez a mesma pesquisa e descobriu que 77,7% vinham de famílias com rendimento
superior a R$ 3 mil mensais (o salário mínimo era R$ 380, em 2007) e, mais
ainda, 75% escolheram o curso por apostar na realização profissional e financeira.
Sete anos depois, essa
gurizada sai da faculdade com o diploma na mão, o rei na barriga e querendo
encher a guaiaca o mais rápido possível, afinal de contas durante todo o curso
viram seus professores dirigindo carros importados, vestindo roupas de grife e,
claro, ganhando muita grana para bancar o padrão classe A.
E, ao contrário do que os
próprios médicos costumam dizer, isso não é muito difícil, pois conforme a Fundação
Getulio Vargas (FGV) a Medicina está no topo das carreiras mais bem pagas do
país, à frente de Administração, Direito, Ciências Econômicas e Contábeis e
Engenharia, com remuneração salarial média de R$ 6.705 para graduados (mestres
e doutores têm salário médio de R$ 8.977).
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Cartaz comum em postos de norte a sul do Brasil |
Nesse contexto ganhar R$ 4
mil por mês para atender o povo que, literalmente, morre nas mãos SUS por falta
de opção, não parece nada atrativo. Sendo assim alguns se atiram nos contratos
emergenciais abertos seguidamente por prefeituras de todo o país atrás do
primeiro contracheque de quatro dígitos. Quando conseguem outros tão ou mais
gordos na pensam duas vezes em abandonar os postos de saúde ou os
pronto-atendimentos públicos afinal de contas: o populacho que se foda, pois
prá pagar médico sempre se dá um jeito não é mesmo? E quem não tiver como pagar,
termina seus dias nas garras do SUS, que sofre – curiosamente - com a falta de
médicos, pois os doutores acham pouco o que o governo paga.
A
solução é...
Acabar com a falta de
médicos no SUS e, consequentemente, na rede pública de atenção básica é simples:
basta estabelecer no Brasil o serviço médico civil obrigatório.
Ou seja, os doutorzinhos
recém formados em universidades federais (ou seja mantidas com o dinheiro do
povo) ficam obrigados a trabalhar na rede pública por um determinado período
recebendo os salários pagos pelos municípios ou estados.
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Serviço obrigatório poderia acabar com emergências lotadas |
Se dependesse de mim o tempo
de serviço obrigatório seria de dois anos com dedicação exclusiva, ou seja,
nesse tempo os doutorzinhos não podem trabalhar para a iniciativa privada ou
clinicar em consultórios particulares. Desse modo não teriam desculpas descumprir
a jornada de 40 horas semanais (o dobro da carga horária exigida hoje pelo
serviço público).
Assim grande parte dos 13
mil médicos que se formam a cada ano nas 180 faculdades de Medicina do país (só
a Ìndia tem mais cursos de Medicina em funcionamento em todo o mundo) iriam
trabalhar exatamente onde fazem falta: na rede pública que atende gratuitamente
a população que não tem acesso a planos privados mas que, mantém com seus
impostos as universidades públicas.
Por um critério de justiça
eu excluiria da obrigatoriedade os alunos dos cursos privados, pois pagaram
pela formação e podem fazer o que bem entenderem, assim talvez os mais ricos
acabassem indo para as faculdades particulares e os cursos federais de Medicina
pudessem começar a ser freqüentados pelos filhos das classes C e D.
Enquanto
isso no Congresso Nacional...
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Geraldo Resende (PMDB/MS) |
Pouca gente sabe e muita
gente não quer nem ouvir falar, mas tramita desde 2007 no Congresso Nacional o
PL 2598/07 de autoria do deputado (e médico) Geraldo Resende do PMDB/MS (viram
como isso é não coisa de comunista?) que estabelece o serviço civil obrigatório
para estudantes de Medicina, Odontologia, Enfermagem, Farmácia, Nutrição, Fonoaudiologia,
Fisioterapia, Psicologia e Terapia Ocupacional, que concluírem a graduação em
instituições públicas de ensino ou em qualquer instituição de ensino, desde que
custeados por recursos públicos.
O PL 2598 diz, ainda, que estes profissionais
prestarão serviços remunerados em comunidades carentes de profissionais em suas
respectivas áreas de formação por um período mínimo de um ano (o deputado aliviou no tempo de serviço).
No dia 17/11/2011 o PL 2598
recebeu voto favorável do relator na Comissão de Seguridade Social e Família da
Câmara dos Deputados e, dessa forma, segue caminhando lentamente rumo à votação
no Plenário.
Quem sabe um dia seja
finalmente apreciado e – tomara! – aprovado. Talvez a partir daí a prática da
medicina no país deixe de ser um lucrativo negócio e uma promissora carreira
para se transformar em responsabilidade social.
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Para ver o PL na íntegra clique no link:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=380726