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sábado, 19 de novembro de 2011

Serviço Médico Obrigatório, sim!


Abro o jornal na manhã de sábado (20/11) e leio matéria sobre a falta de médico no posto público da Vila Princesa, zona norte de Pelotas. Ao longo da matéria a secretária municipal de Saúde admite a alta rotatividade de médicos na rede municipal e atribui isso ao fato deles (os médicos) terem “múltiplos vínculos”. A minha interpretação para isso é: trabalham em tantos lugares que o salário de R$ 4 mil pago pela prefeitura se torna desinteressante.

Talvez tenha existido um tempo ou lugar no qual os médicos fossem profissionais humanitários, solidários, capazes de dedicar suas vidas aos outros e preocupados com a vida das pessoas, mas desconheço e, duvido disso.
Minha experiência de vida e profissional - nas últimas duas décadas pelo menos - me faz ver médicos como: homens e mulheres interessados em ganhar muito dinheiro e, nada mais.

A medicina é hoje uma excelente carreira, que paga altos salários e desde os primeiros semestres de faculdade é o cifrão que brilha diante dos olhos da calourada. Isso sem falar no fato de que a esmagadora maioria dos estudantes de Medicina das universidades federais vem das classes A e B, ou seja, não é curso de pobre e essa turma não quer perder status depois de formada, muito pelo contrário.

(De onde tirei essa ideia?): Em 1999, por exemplo, a Universidade Federal de Minas Gerais fez um censo de seus alunos de Medicina e descobriu que 61% eram provenientes de famílias com renda mensal superior a 20 salários mínimos. Em 2004, pesquisa feita na Universidade Federal do Acre mostrou que 96,5% das vagas do curso de Medicina eram ocupadas por filhos das classes A e B. Em 2007, a Universidade Federal do Espírito Santo fez a mesma pesquisa e descobriu que 77,7% vinham de famílias com rendimento superior a R$ 3 mil mensais (o salário mínimo era R$ 380, em 2007) e, mais ainda, 75% escolheram o curso por apostar na realização profissional e financeira.

Sete anos depois, essa gurizada sai da faculdade com o diploma na mão, o rei na barriga e querendo encher a guaiaca o mais rápido possível, afinal de contas durante todo o curso viram seus professores dirigindo carros importados, vestindo roupas de grife e, claro, ganhando muita grana para bancar o padrão classe A.

E, ao contrário do que os próprios médicos costumam dizer, isso não é muito difícil, pois conforme a Fundação Getulio Vargas (FGV) a Medicina está no topo das carreiras mais bem pagas do país, à frente de Administração, Direito, Ciências Econômicas e Contábeis e Engenharia, com remuneração salarial média de R$ 6.705 para graduados (mestres e doutores têm salário médio de R$ 8.977).

Cartaz comum em postos de norte a sul do Brasil
Nesse contexto ganhar R$ 4 mil por mês para atender o povo que, literalmente, morre nas mãos SUS por falta de opção, não parece nada atrativo. Sendo assim alguns se atiram nos contratos emergenciais abertos seguidamente por prefeituras de todo o país atrás do primeiro contracheque de quatro dígitos. Quando conseguem outros tão ou mais gordos na pensam duas vezes em abandonar os postos de saúde ou os pronto-atendimentos públicos afinal de contas: o populacho que se foda, pois prá pagar médico sempre se dá um jeito não é mesmo? E quem não tiver como pagar, termina seus dias nas garras do SUS, que sofre – curiosamente - com a falta de médicos, pois os doutores acham pouco o que o governo paga.

A solução é...

Acabar com a falta de médicos no SUS e, consequentemente, na rede pública de atenção básica é simples: basta estabelecer no Brasil o serviço médico civil obrigatório.  
Ou seja, os doutorzinhos recém formados em universidades federais (ou seja mantidas com o dinheiro do povo) ficam obrigados a trabalhar na rede pública por um determinado período recebendo os salários pagos pelos municípios ou estados.

Serviço obrigatório poderia acabar com emergências lotadas
Se dependesse de mim o tempo de serviço obrigatório seria de dois anos com dedicação exclusiva, ou seja, nesse tempo os doutorzinhos não podem trabalhar para a iniciativa privada ou clinicar em consultórios particulares. Desse modo não teriam desculpas descumprir a jornada de 40 horas semanais (o dobro da carga horária exigida hoje pelo serviço público).   

Assim grande parte dos 13 mil médicos que se formam a cada ano nas 180 faculdades de Medicina do país (só a Ìndia tem mais cursos de Medicina em funcionamento em todo o mundo) iriam trabalhar exatamente onde fazem falta: na rede pública que atende gratuitamente a população que não tem acesso a planos privados mas que, mantém com seus impostos as universidades públicas.

Por um critério de justiça eu excluiria da obrigatoriedade os alunos dos cursos privados, pois pagaram pela formação e podem fazer o que bem entenderem, assim talvez os mais ricos acabassem indo para as faculdades particulares e os cursos federais de Medicina pudessem começar a ser freqüentados pelos filhos das classes C e D.

Enquanto isso no Congresso Nacional...

Geraldo Resende (PMDB/MS)
Pouca gente sabe e muita gente não quer nem ouvir falar, mas tramita desde 2007 no Congresso Nacional o PL 2598/07 de autoria do deputado (e médico) Geraldo Resende do PMDB/MS (viram como isso é não coisa de comunista?) que estabelece o serviço civil obrigatório para estudantes de Medicina, Odontologia, Enfermagem, Farmácia, Nutrição, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Psicologia e Terapia Ocupacional, que concluírem a graduação em instituições públicas de ensino ou em qualquer instituição de ensino, desde que custeados por recursos públicos. 


O PL 2598 diz, ainda, que estes profissionais prestarão serviços remunerados em comunidades carentes de profissionais em suas respectivas áreas de formação por um período mínimo de um ano (o deputado aliviou no tempo de serviço).

No dia 17/11/2011 o PL 2598 recebeu voto favorável do relator na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados e, dessa forma, segue caminhando lentamente rumo à votação no Plenário.

Quem sabe um dia seja finalmente apreciado e – tomara! – aprovado. Talvez a partir daí a prática da medicina no país deixe de ser um lucrativo negócio e uma promissora carreira para se transformar em responsabilidade social. 


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Para ver o PL na íntegra clique no link: 


http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=380726

3 comentários:

  1. No seu sonho que se tornará uma responsabilidade social. Será sim uma frustração profissional de 12 mêses não vendo a hora de estar em residência médica para driblar esse tão famigerado sistema desustruturado, politiqueiro.
    Caro Álvaro, as pessoas não estão morrendo em filas por necessidade de médicos recém formados inexperientes provindos de faculdades privadas ou estaduais/federais, que seja. Essa idéia é enganosa, frustrante se você depende do SUS,mas acho que não depende.
    O problema da saúde não esta nestes postinhos desestruturados e sem rede de referência adequado de assistência básica . Visite um hospital e veja o problema real, o que causa morte evitáveis a toda hora neste país, visite todo e cada hospital do SUS e reveja o mesmo problema,ouça com atenção as necessidades e com descrédito as promessas dos governos locais, nós já ouvimos.
    O PAÍS AINDA ESTÁ FALTANDO MÉDICO QUE ASSUMA ESSE SISTEMA DESESTRUTURADO, SÓ ISSO. Quando não faltar mais, por favor, trate-se no SUS e não perca a oportunidade de constatar o que lhe digo hoje. Eu, continuarei com meu plano de saúde pra mim e minha família, afinal se cagar na urna pode, escolher onde ser atendido também. O Lula que o diga com sua quimioterapia de ponta e equipe de 6 profissionais nada recém-formados despreparados.
    Agora te pergunto, quanto vale uma consulta??? (vc sabe quanto o SUS paga?). Responsabilidade social não é profissional liberal ser obrigado a prestar serviços por determinado valor e em determinada condição, afinal então, vamos generalizar a “responsabilidade social” aspirada a engenheiros ao sem teto, que produtores rurais entreguem parte de sua produção aos famintos, mas sem obrigação. Responsabilidade social não é palpável, não é mensurado, já éobrigação ética e moral de toda uma sociedade, mas no Brasil se torna mais um clichê de um poder oligárquico que pede de um lado esssa responsabilidade e de outro mantém, por exemplo, 90% de um Maranhão sem saneamento básico. Alguém que veja no médico o grande vilão da saúde nesse país desconhece e muito esse caos instalado.
    Esse discurso só abala mais a relação médico-paciente no SUS, gerando , recíprocamente, indiferença, descaso, desrespeito e frustração, já não bastasse as condições de trabalho, com ratos pelo sapatos, falta de produtos higiênicos hospitalares, falta de segurança e desabastecimento de leitos e medicamentos em todos os níveis de atendimento.
    Já respeitando muito a sua opinião, deixo aqui um desabafo e um convite para que frequente mais um hospital e veja se o que falta são médicos heróis tentando fazer de uma mangueira um tubo de ventilação, de uma garrafa pete um sobrepeso para alinhamento de fraturas, de uma luva um dreno, de uma dipirona um analésico potente, de um genérico superfaturado a cura. O outro convite e que para que forme seu filho nesta carreira tão digna e faça dele um médico do SUS, depois ouça com respeito e atenção o que ele terá a dizer. Dá tempo. A desestrutura do SUS espera, não se preocupe.
    Fernando Silva de Azevedo, médico exclusivamente do SUS.

    editado...não sei por que os primeiros paragrafos anteriores sairam sem reedição (erro de colagem?). solicito aqui ao responsável o retire e mantenha esse.

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  2. http://www.youtube.com/watch?v=T5WRkn-x9EU Coloca aí pra ilustrar

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  3. Parabéns por dizer o que todo mundo pensa

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