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sábado, 30 de outubro de 2010

O dia em que tive vergonha de minha profissão

Desconfiar, apurar, confrontar e investigar é essencial ao bom jornalismo.  Duvidar de tudo que se ouve e se lê e buscar incessantemente a verdade ou a confirmação dos fatos é básico na profissão de jornalista. Criar a notícia, formatar e manipular fatos e informações para que atendam a determinados interesses é – no mínimo – um crime ético. Mas deveria ser mais, deveria ser crime previsto no Código Penal Brasileiro.

A essência de nossa profissão está na confiança depositada nos profissionais de imprensa pelo público, seja leitor, telespectador, ouvinte ou internauta. A confiança de que não mentiremos sob hipótese alguma, de que não diremos nada mais do que a verdade e somente a verdade, sem parágrafos extras ou observações de rodapé.

Honrar essa confiança deveria ser um dever de cada jornalista espalhado pelas redações deste país. E quando falo em jornalista, incluo não apenas os repórteres (que formam a base da cadeia alimentar da imprensa), mas todos que ocupam alguma função no processo de produção de notícias, sejam repórteres, repórteres fotográficos, cinegrafistas, âncoras, produtores, locutores, redatores, editores, chefes de reportagem, etc.

Quando grandes corporações ou veículos de imprensa se desviam da função primordial que é produzir e distribuir informação verídica e de qualidade ao público, para atender seja qualquer tipo de interesse particular ou corporativo ferem de morte o pacto de confiança existente entre público e jornalistas.

E, mais: atingem, em cheio, a honra de uma profissão que desde o século passado transformou-se em símbolo da defesa dos direitos individuais e coletivos nos quatro cantos do planeta. Profissionais de jornais, rádios e emissoras de TV foram, muitas vezes e em muitos países, bravos porta-vozes da liberdade de um povo ou denunciadores ferrenhos da repressão, da violência e do desrespeito aos direitos civis.

Nesta eleição presidencial brasileira o que vi foram repetidos atentados a este pacto de confiança. Vi manipulação e omissão de informações de todos os tipos. Vi âncoras pedirem demissão diante das câmeras por não admitirem a censura impostas por seus executivos. Também percebi quando outros preferiram calar e dar suas matérias feitas sob medida sem alterar a expressão de seus rostos. Li sobre a perplexidade de profissionais experientes diante da manipulação de determinadas notícias e sobre a revolta de colegas que por uma questão de sobrevivência não podem largar seus empregos, por mais que desejem isso.

E neste sábado vi o triste pano desta trágica encenação chamada cobertura eleitoral 2010 cair da forma mais vil e baixa, que jamais poderia imaginar.

A Veja, que ocupa o status de maior revista semanal do país, estampou em seu site uma matéria comparativa dos gestos do Presidente Lula com os de Fidel Castro, tendo como pano de fundo um seminário qualquer que será realizado em Roma para tratar de posturas corporais e sei lá o que.

Mas comparar o presidente brasileiro ao ditador cubano não foi o pior ato dos autores e editores da matéria. Ao final do texto usaram um quadro (quase uma nota de rodapé) para atestar semelhanças entre Lula e Adolf Hitler, que com certeza é o mais abominável ser humano que já pisou sobre a terra.
Lula pode não ser santo, pode não ter a mãos tão limpas quando diz, pode não ser o líder tão carismático e amado quanto faz parecer, mas não pode ser comparado com Hitler sob hipótese alguma, sob ângulo algum. 

Os jornalistas que fizeram isso envergonharam toda uma categoria e deveriam se envergonhar de tamanha leviandade e falta de bom senso.

Hoje, graças a Veja, me sinto envergonhado – pela primeira vez em quase 15 anos – da profissão que escolhi.

O poder corrompe. Mas a vontade de ter poder corrompe mais ainda. 

Um comentário:

  1. Também vi esta matéria no site da Veja. Digo VI porque achei que seria um desrespeito à minha profissão perder tempo LENDO um absurdo que era possível ter ideia somente passando os olhos sobre a tela. Meu reflexo, além da indignação, foi buscar o autor da matéria. Infelizmente não me surpreendi ao não encontrar o nome do jornalista. Isto porque tenho certeza que ele (o autor) também deve ter vergonha de se prestar a uma forma tão baixa de subserviência aos interesses da revista.

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